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Administração Regional media as relações entre moradores, estado e tráfico

  • Pedro Madeira
  • 22 de nov. de 2017
  • 4 min de leitura

Política local precisa ser negociada diariamente com o poder público e paralelo

Na sala de espera da 23° Região Administrativa da Cidade de Deus, nos fundos do CIEP João Batista dos Santos, às 11h, um entra e sai de pessoas com pedidos urgentes: desentupir um ralo, a falta de luz ou uma oportunidade de emprego. De camisa listrada dobrada até os cotovelos, exibindo o nome ‘’Renata’’ tatuado no antebraço, o alto Vinicius Alemida (40) chega na sala dos funcionários e é interrompido do seu telefone: ‘’Conseguiu resolver? ’’, perguntou Juliana, sua secretária. Vinicius atira: ‘’Conseguimos’’.

A XXII R.A Cidade de Deus é o canal entre morador e prefeitura. Nas palavras de Vinicius, ele é um ‘’subprefeito do bairro’’. O administrador trabalha com política há 23 anos. Começou no ramo como cabo eleitoral de Eduardo Paes, quando o ex-prefeito do Rio de Janeiro ainda era subprefeito da Zona Oeste, em 1993. ‘’Eu era muito jovem, tinha 20 anos, estava desempregado e um amigo meu estava trabalhando com política e me chamou.’’

A R.A fica localizada em frente à praça Padre Júlio Groten, nos contornos da comunidade. A modesta antessala apresenta sinais de abandono. Piso quebrado, a mobília surrupiada e nas janelas empoeiradas estavam rabiscos sem direção feitos a dedo. Em uma mesinha de centro, um jornal com a manchete do dia 30 de outubro: ‘’Tráfico mata rival e desova corpo em caixa de presente’’.

Enquanto ia chegando as meninas da equipe de Vinicius, uma moradora explicava para Juliana, sua secretária: ‘’ É que eu estou sem luz. É aniversário da minha mãe e eu queria fazer uma festinha para ela. Da última vez fizemos em um salão de festas e ela dormiu antes de terminar. Não tem como ver isso para mim? ‘’, suplica a senhora de feição desesperada e com os cabelos esvoaçados. Juliana atendeu, prometeu expedir o pedido e a senhora foi embora com o andar lento.

Outra moça, mais nova, entrou na sala falando ao telefone e atualizou algo com a equipe da XXIII R.A: ‘Os meninos morreram, né?’’, e logo foi embora sem falar mais nada. Os mortos não foram identificados pela equipe de Vinícius, mas asseguraram que eram da comunidade e foram velados no Cemitério do Pechincha, região há 2,5km da comunidade. Não há notícias nos jornais.

Foi o gancho para as meninas começarem a falar sobre a vida ultimamente na Cidade de Deus. Juliana começou a relatar o episódio vivido na sexta-feira (27), quando os tiros romperam na comunidade e traficantes e polícia trocaram tiros na praça Padre Júlio Groten, logo após o almoço: ‘’Liguei para o Vinícius e me tranquei aqui atrás até acabar’’, diz Juliana aliviada. A região enfrenta, assim como outras comunidades da cidade, intensos conflitos. Desde que os homicídios voltaram a crescer no Rio, a partir de 2013, o crime fez 21.258 vítimas no estado. São, em média, 13 mortos por dia.

Vinicius era da equipe de Eduardo Paes e trabalhava, em época de eleição, nas ruas fazendo boca de urna: ‘’A gente colocava plaquinha. Antigamente dava para colocar até em árvore. Não me prometeram nada, a gente trabalhava naqueles três meses, mas quando acabava era ‘tchau e benção’ ’’. Passados seu primeiro contato com a política, Vinícius teve a primeira filha, Renata, e passou a trabalhar de carteira assinada com o pai em uma madeireira na Estrada dos Bandeirantes, uma das principais vias da Zona Oeste que liga a Barra da Tijuca e Jacarepaguá.

Próximo às eleições de 2009, Vinícius viu um carro estacionar na sua porta de casa e descer Luiz Antônio Guaraná, vereador por quatro mandatos, e Eduardo Paes, deputado federal pelo Rio de Janeiro na época. “Estamos levando você de volta para a equipe ‘’, disse o deputado que mais tarde ia se candidatar a prefeito. De primeira, Vinícius recusou: estava, a essa altura, com uma filha para criar e precisava de um emprego fixo que assinasse a carteira. ‘’Estou te chamando para fazer parte do grupo e trabalhar comigo direto’’, persuadiu Eduardo Paes, com quem passou 16 anos, como mesmo disse, de ‘’quebra-galho’’.

Após o fim do mandato de Paes como prefeito, Vinicius correu atrás dos contatos que fez durante a carreira e foi bater na porta de Laura Carneiro, deputada federal pelo PMDB, e foi encaminhado para a Cidade de Deus. Há duas semanas a frente da XXIII R.A da Cidade de Deus, Vinicius se dedicou até agora a reparar a mobília da R.A: ‘’Quando eu cheguei aqui não tinha um móvel. Estava tudo largado, não tinha lugar para sentar. Tudo isso aqui é meu: o computador, a impressora, as mesas e as cadeiras. Quando eu for embora, infelizmente eu vou ter que levar tudo’’, se conforma.

Naquele plantão de segunda-feira, o administrador tinha acabado de voltar de ‘’lá de dentro’’: foi desentupir um ralo dentro da comunidade. As ruas são estreitas e às vezes têm barricadas colocadas pelo narcotráfico local. ‘’Se eu não for junto ninguém tem coragem de ir. O caminhão da prefeitura para aqui na frente e fica aí até alguém levar eles lá. Todo mundo tem medo’’. Segundo estudo feito pelo Instituto Pereira Passos, 8,2% dos domicílios não possuem rede de esgoto adequado. No Rio de Janeiro a média é de 5%. Outro problema recorrente na comunidade é a falta de luz, provocadas intencionalmente por membros do tráfico. Atendendo a pedidos, a Rio Luz foi na comunidade consertar um poste e foi impedida pelos narcotraficantes: ‘’Fazer política aqui é assim, mas a gente precisa roer o osso. As pessoas só querem trabalhar em Barra, qual a demanda deles?’’, ironiza Vinícius. A atuação da R.A, assim como o morador, precisa coexistir com projetos de poder paralelo. Àquela altura da conversa, Vinícius timidamente admirava seus feitos como administrador: ia salvar um aniversário, desentupiu um ralo, arranjou alguns empregos, expulsou os dependentes químicos da R.A, trouxe vitalidade à subprefeitura e teve diálogos de sucesso com o ‘movimento’. Dali, foi prestigiar a inauguração de um CIEP da região.

 
 
 

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