UPA local é afetada pela violência
- Manoela Caldas e Marina de la Reza
- 21 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Os baleados nos conflitos da região buscam atendimento na UPA, transformando-a em hospital de guerra

A saúde pública do Rio de Janeiro já é precária. Quando inserida em um contexto de guerra, o quadro fica ainda mais crítico. As UPAs são projetadas para tratar casos de enfermidades clínicas. Mas o número de pacientes feridos por arma de fogo que buscam atendimento na unidade da Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, aumentou mais de 100% do ano passado para 2017, segundo informações da Rio Saúde, que administra a clínica. Os pacientes com problemas corriqueiros, como gripe, doenças respiratórias, dores musculares e infecções, ficam em segundo plano.

A chamada "medicina de guerra'', prática que prioriza casos com maior risco de morte e impacta diretamente no atendimento aos demais pacientes, e a violência na Cidade de Deus afetam outras questões relacionadas à saúde. Idosos, gestantes e crianças, por exemplo, deixam de ser prioridade quando há vítimas de tiros no atendimento. Apesar da UPA raramente fechar, não é incomum que os tiroteios no bairro impeçam que moradores e médicos cheguem até a única unidade de emergência do bairro.
O número de baleados saltou de 27 casos, em 2016, para 60 no mesmo período de 2017. Mas o aumento da violência na comunidade transformou essa unidade de atendimento em uma sala de emergência para aqueles que foram baleados nos conflitos da região. Segundo médicos, dado preocupante é que os ferimentos não são apenas de pistolas, mas de armamentos mais pesados, como fuzis.
Uma pesquisa recente sobre saúde pública conduzida por alunas da PUC-Rio aponta que 72% dos pacientes entrevistados da UPA da Cidade de Deus já presenciaram a chegada de feridos de balas no atendimento. A recomendação oficial instrui que emergências cirúrgicas devem ser encaminhadas ao hospital mais próximo, no caso, o Lourenço Jorge, localizado a 6,3 quilômetros da CDD. A equipe da UPA fornece os cuidados iniciais aos feridos antes de transferi-los para o hospital, já que o quadro de funcionários não conta com médicos especialistas, apenas clínicos.
Apesar do cenário de ''hospital de guerra'', a RioSaúde afirma que os casos dos baleados não são maioria. A UPA funciona 24 horas, todos os dias. Atende moradores com casos clínicos, que não apresentam riscos iminentes. A opinião da população da Cidade de Deus sobre a UPA é quase unânime. A assistente social Danielle Medeiros, de 30 anos, trabalha no CRAS Elis Regina, localizado atrás da UPA, e afirma que os moradores são satisfeitos com a rapidez do atendimento, mas apontam frequentes erros de diagnósticos e falta de exames e medicamentos gratuitos na farmácia da unidade.

''Minha avó de 87 anos tem Alzheimer e estava com pneumonia. Levei ela na UPA três vezes. Ela foi atendida rapidamente e internada", conta Danielle. Mas a assistente social também ressalta pontos negativos. "A falta de coerência e de continuidade. Os médicos davam informações divergentes, e alguns não davam os medicamentos para Alzheimer. O médico do turno da noite falou que minha avó ficaria internada por sete dias, e o médico do dia seguinte deu alta, o que foi um absurdo'', se queixa.
A reclamação dos pacientes sobre falta de recursos é frequente. Porém, os profissionais de saúde que trabalham na unidade da Cidade de Deus e a RioSaúde negam o problema. O radiologista Marco Aurélio Tom, de 41 anos, já trabalhou em hospitais privados, clínicas, e hoje atua na UPA. Ele afirma ter todos os equipamentos necessários. ''Os funcionários estão sempre sendo avaliados, então tudo tem que estar em perfeita ordem. A sala de raio X é exemplar, tem equipamentos de excelência'', pontua o médico.
A UPA não possui uma estrutura cirúrgica e médicos especializados para atender os baleados. Para minimizar os efeitos da situação, a RioSaúde informou, em entrevista, que está oferecendo aos funcionários treinamentos específicos com intuito de prepará-los para atender esses casos. "Fazemos o melhor para prestar um atendimento de emergência digno, com os recursos que temos". Além disso, a empresa pública afirmou que os indicadores são majoritariamente positivos e fiscalizados periodicamente. "Em agosto, de 10 mil pacientes, dois ligaram se queixando. Respondemos cada reclamação, uma a uma".
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