CDD em Cena aproxima jovens do teatro e do cinema
- Louis Barbaras
- 21 de nov de 2017
- 4 min de leitura
Alunos aprendem desde cedo a trabalhar com audiovisual e encenação

“Eu vim para o Rio para ver isso de perto”. Em 2009, o filme “Besouro”, superprodução carioca com atores baianos inspirou o soteropolitano Matheus Paz, de 33 anos a tentar a sorte no mundo audiovisual carioca. Surge então o CDD em Cena, no intuito de trazer a produção audiovisual e teatral para dentro da comunidade. Hoje, mais de 300 jovens da Cidade de Deus participam de oficinas de teatro e cinema gratuitas e livres, proporcionadas pelo projeto. No entanto, o caminho foi longo até que o CDD em cena pudesse finalmente ver a luz do dia.
Formado em Publicidade e Propaganda pela Faculdade Social da Bahia, Paz teve contato com a dramaturgia desde cedo. Ele participava de um grupo de teatro em Salvador e já tinha trabalhado em agências de publicidade, em uma produtora de audiovisual e em uma rádio, antes de decidir vir para o Rio, aconselhado por um professor. “Eu resolvi ouvir as dicas de um professor meu de publicidade. Ele disse que eu tinha muita habilidade com audiovisual e que eu deveria vir para o Rio para trabalhar com algo maior, um projeto grandioso e tentar um mestrado aqui” afirma.
“Eu tinha uma tia baiana aqui, que dava aula de capoeira. Foi assim que eu fui parar na Cidade de Deus”. Assim, o projeto começou como um pequeno grupo de teatro na laje de Dona Conceição, que foi uma das criadoras do CDD em Cena junto com Mateus. A grande reviravolta veio quando a iniciativa ganhou um edital da Lona Cultural de Jacarepaguá. “Eu trabalhava na TV Globo, como editor de imagem, no jornalismo. Quando passei no edital da Lona Cultural eu pensei que o projeto ia crescer. Saí da TV para cuidar do projeto e foi a maior besteira que fiz na minha vida. Fui roubado, tomei um golpe” declara com ressentimento. Na visão de Mateus, o edital da Lona Cultural seria uma forma de expandir a iniciativa, e impulsionar as oficinas teatrais.
Com ajuda de diversos parceiros da Cidade de Deus, entre eles, o líder religioso Babalaô Ivanir Dos Santos, o líder comunitário da associação “Asa Branca” de Curiçica, Carlos Alberto Bezerra, e a escritora Valéria Barbosa, o projeto conseguiu se reerguer. Mateus criou um novo edital e reorganizou toda a iniciativa, que nasceu como teatro e audiovisual. “Hoje o CDD em Cena produziu muito mais do que quando eu estava com esses parceiros que me roubaram no projeto da Lona Cultural de Jacarepaguá. Hoje ele é até bem visto dentro da prefeitura.”
Atualmente, as oficinas são dadas por três professores, incluindo Mateus Paz. Dois de teatro e um de cinema (foto abaixo). As oficinas duram um ano e no final, é entregue um certificado a cada dupla de alunos que participou. “eu dou certificado também de acordo com as avaliações e as apresentações que a gente faz” acrescenta o criador do projeto.

No entanto, o CDD em cena hoje vai muito além das oficinas. O projeto se expandiu e com base nisso, foi criado um coletivo composto por alunos e professores, que produz peças teatrais, curtas-metragens, e participa da cobertura de eventos culturais dentro da Cidade de Deus. “A parte do audiovisual se sustenta produzindo o nosso conteúdo, os nossos curtas, os nossos filmes, e o da comunidade, dos grupos da comunidade”. Os curtas são exibidos em salas de cinema na zona oeste, através da Rede Cineclube enquanto que as peças circulam através de editais concedidos pela Secretaria Municipal de Cultura.
“Temos alguns produtos culturais: a peça ‘Ave Maria’, o espetáculo ‘Cale-se’ baseado numa música de Chico e Milton. Temos também um espetáculo de dia das mães apelidado de ‘Carrossel”’ cita Mateus. O coletivo também produziu as peças “Perfume de Machão” e “O encantador de Palavras”, baseado no disco “Afrosambas” de Vinícius e Moraes e Baden Powell. Entre os curtas-metragens realizados pelo grupo, destacam-se “Não Pode Rir”, “Aqui Não” e o experimental “Dou um”.
Mateus também ressalta que o CDD em Cena está desenvolvendo uma parceria mútua com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - Rio). “Estamos virando já uma produtora e eu estou colocando meus alunos no mercado audiovisual. Tem uma turma da PUC que foi lá produzir e utilizou nossa mão de obra para ajudar nessa produção.” Além disso, o grupo está trabalhando na realização de dois longas-metragens em parceria com a PUC – Rio: “CDD 50 anos” e “Bagulho Doido”.
Cada um dos longas faz um panorama social e histórico da Cidade de Deus. Enquanto "CDD 50 anos" conta a história das remoções que deram origem à comunidade , "Bagulho Doido" mostra a inversão dos papeis sociais na Cidade de Deus, sob uma ótica ficcional e documental.
Apesar de o projeto estar crescendo, ainda falta incentivo do poder público e da iniciativa privada para que o CDD em Cena consiga elevar a produção teatral e audiovisual para outro patamar. Mateus conta que a parceria com a Rede Cineclube facilita a circulação dos curtas-metragens, no entanto, a veiculação das peças depende muito de editais, que nem sempre aparecem. “É mais complicado por causa da logística de transportar esse material. Fora da Cidade de Deus a gente depende desse edital para poder ter esse financiamento” explica Mateus. A ideia é ganhar mais visibilidade, porém não há patrocínio. No momento, o grupo trabalha para oficializar o projeto através da regularização do CNPJ, mas o processo acaba esbarrando na burocracia. “Por falta de recurso, de apoio, de patrocínio, de incentivo, a gente acaba ficando amarrado nessa burocracia” conclui.
Ainda assim, graças a parcerias como a PUC e com a Rede Cineclube, o CDD em Cena está evoluindo cada vez mais e tem despertado o interesse cada vez maior de jovens da Cidade de Deus. O projeto representa uma ferramenta importante para criação de cultura dentro de uma comunidade que sofre com a violência diariamente.
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