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Rap nasce como alternativa ao funk na comunidade e incentiva jovens

  • Ana Carolina Poeys
  • 22 de nov. de 2017
  • 6 min de leitura

Barão atua na Casa Mata, espaço que é referência de produção cultural na Zona Oeste

Erick França, mais conhecido como Barão, nasceu e foi criado na Cidade de Deus. Com 25 anos, Barão é produtor musical, DJ, MC, beatmaker, faz mixagem e masterização, é pai, um dos fundadores da Casa Mata e idealizador de vários projetos paralelos. O pai morreu há 12 anos e, hoje, mora com a mãe, Ana Maria, que é cabeleireira e nasceu no Borel, mas foi para a comunidade assim que foi formada.

França é um personagem eclético e sua afinidade com a música fez com que criasse experiências independente do gênero musical. Teve passagem desde pagode até o rock e, portanto, desenvolveu competências dentro da área que contribuiu para formar o profissional completo que é hoje.

“Eu sempre fui envolvido com música. Quando tinha 12 anos, tive um grupo de funk, subíamos no palco, rimávamos e escrevíamos música. Fui crescendo e conheci o pagode e fiz um grupo também. Aprendi a tocar todos os instrumentos de percussão, menos os com corda. Tantan, surdo, repique, reco-reco, pandeiro, isso tudo. Sai do pagode e conheci o rap, sendo que antes do funk, gostava de rock. Com 9, 10 anos, tinha o cabelo até a cintura e falava que era rockeiro. Experimentei de tudo. Conheço um pouco de cada caminho da música, vamos dizer assim”, conta o produtor.

França acredita que apresenta um dom musical e seu histórico com a arte e habilidades comprovam isso. Todas as inciativas que teve obtiveram sucesso considerável.

“Eu sei que nasci para música. Eu sempre falo para a galera que escuto a música diferente das outras pessoas. Elas escutam ouvindo a letra, eu já escuto a batida, os detalhes. Eu falei para mim mesmo: 'Não é possível que eu seja assim atoa, tem que ter um propósito'. Peguei o tantan e dominei rápido, peguei o pandeiro e dominei rápido, passando disso, comecei a fazer beat e dominei rápido", explica Barão.

Nesse momento, decidiu parar de trabalhar e se dedicar exclusivamente a música, investindo em estudos através de apostilas que baixava na internet.

“Minha mãe já estava preocupada que eu não saia de casa e nunca fui disso. Ficava 24 horas fora, mas tinha que fazer isso porque despertava um interesse muito grande em mim. Me aperfeiçoei no Beat e falei 'Beat para mim está bom’ porque já tinha chegado no nível que queria. Já me garantia, aí fui para outra parada”, acrescenta França.

O produtor começou a aprender mixagem e masterização do instrumento e conta que mesmo ainda insatisfeito com o resultado, já deu início aos estudos sobre gravação que, segundo ele, não é tão simples como as pessoas pensam.

“Sinto que parece técnica, mas é um dom mesmo. Tem umas paradas que, às vezes, eu nem sei o que estou fazendo, mas estou fazendo certo. Preciso mais do estudo mesmo, saber o que estou fazendo, os nomes. Eu coloco no tom certo, mas não sei que tom é aquele, sei que ta certo pela audição, sei que ta colando ali”, ressalta França.

Barão conta que concluiu o ensino médio, mas não teve a oportunidade de fazer uma faculdade, mas nem por isso deixou de correr atrás dos seus sonhos e ser trabalhador. Já fez parte da equipe de restaurantes, como o Mc Donald’s, da farmácia Pacheco, de oficina e até mesmo do correio.

"Eu também não tenho muito dinheiro para investir em faculdade, então preferi investir em equipamento."

“Eu até tinha planos para a faculdade. Eu não conseguia ficar sem trabalho. Depois que vi que queria estudar produção musical, eu parei minha vida uns três anos e fiquei só estudando em casa. Aprendi muita coisa, hoje em dia, faço muita coisa. Quase um produtor completo. Nunca fiz faculdade, então, acho que se a pessoa quer mesmo, não precisa. Eu também não tenho muito dinheiro para investir em faculdade, então preferi investir em equipamento. Mas talvez um dia, se eu tiver uma condição maneira lá na frente, quem sabe”, declara Barão.

Casa Mata, empreendimento local de produção

Casa Mata é um coletivo que existe, oficialmente, desde 2013 e sua sede é nos fundos da casa do França, onde também tem um home studio e o salão de sua mãe. A Cidade de Deus é um território de constantes guerras, onde jovens buscam alternativas na tentativa de conquistar o cenário musical através da produção de conteúdo cultural, e segundo Erick, a Casa Mata já é referência na Zona Oeste.

“A ideia da Casa Mata vem daquela parada de soldados. Quando um país entra em guerra com outro, eles costumam estabelecer uma casa mata de soldados, onde não tem como entrar bala, ela é toda blindada. Tem só um buraco para você enxergar e para colocar a arma e atirar. A gente escolheu esse nome por causa disso, pelo fato da gente ter um monte de soldado que estão se preparando para o mercado”, define França.

A Casa Mata é composta por MC's, os grupos "Desgovernamente" e "Reverso", DJ's de hip hop e a dupla de eletrônica "Bass Sense", beatmakers, videomakers, artistas solos e produtores estão Barão, Wesley Mattos, Pitter Fernandes, Allan, Lennon B Wyz, Zombie Mc, Daniel Mendes, Matheus Benne, Wesley Cortês, Diego Emi, Julio Oliveira e Caio Batalha.

França sempre quis montar seu próprio estúdio e ser independente. Com o dinheiro arrecadado do seu trabalho investe nesse projeto e também com a ajuda de amigos, que tem tornado isso possível à medida que cada um completa o espaço com o equipamento que pode disponibilizar e o que pode oferecer.

“Sempre pensei em não ter que precisar dos outros para liberar o meu trabalho, nem para nada. A câmera é nossa. A equipe da Casa Mata é muito abençoada. Cada um chegou com alguma coisa. O Lennon tinha o mic de gravação, fone e cabine de estúdio. O Bené, um amigo meu, deixou um notebook bom. Outro já montou um computador. E o som eu comprei vendendo beat. Só falta fazer uma obra para expandir nosso espaço e fazer um banheiro”, detalha França.

A Roda Cultural da Cidade de Deus (RCCDD) é um exemplo de projeto que foi lançado pela Casa Mata, que ainda acontece toda quinta-feira, á partir de 19h, na Quadra do Lazer, na Cidade de Deus. No entanto, por causa de desentendimentos, a Casa Mata decidiu se afastar da roda em setembro.

“Nós que somos da CCDD, somos muito guerreiros. Foi um ano de toda quinta uma edição. Embaixo de chuva, embaixo de sol, embaixo de qualquer coisa a gente levava o carrinho e empurrava. Só tínhamos um meio de transporte: o carrinho do supermercado. Aí a gente ia empurrando, vamos dizer, da PUC até o BG”, desabafa França.

O rap e hip hop surgiram com a Roda Cultural como uma alternativa de entretenimento ao funk, gênero musical tão enraizado na cultura das comunidades. Para Barão, é importante enxergar o retorno que o movimento tem dado para os moradores da Cidade de Deus em relação, principalmente, ao desenvolvimento das crianças no cenário complexo que elas estão inseridas.

“A música com certeza influência. Da para ver as crianças que mudamos com a Roda Cultural. Ela é no mesmo lugar que o baile funk, onde rola putaria, xingamento, umas paradas negativas toda hora com elas. Chegamos com hip hop e já mudamos a visão delas. No dia que não é roda, já tem uma galera lá andando de skate, botando mochila, um blusão, isso tu não via. Só via as crianças com o boné na cara, usando drogas. É a base, elas também não têm culpa. Agora elas estão vendo outra coisa. Se chegassem aí com outras paradas maneiras, elas iriam, mas não tem. Com certeza muda o pensamento. Mudou o meu depois de grande, imagina o de uma criança. Eu já fui envolvido em parada errada também e quando eu conheci o rap mudei totalmente. A galera abraça a ideia. Por isso que o MC também tem que ter muito cuidado ao escrever, porque tem gente que vai ouvir aquilo ali e levar para a vida”, alerta o produtor.

Segundo França, a Zona Oeste é carente de eventos voltados para o rap e, hoje, o coletivo aposta em lançamentos de clipes e eventos privados. A Casa Mata está em fase de produção do primeiro CD, "Blindagem", que, por enquanto, apresenta 12 faixas. Barão revela que o coletivo pretende lançar uma música por mês. "Acústico CASA MATA - Fogo Atrai fumaça" já está disponível nas plataformas digitais e o próximo lançamento conta com a participação dos grupos de rap “1 kilo” e "Uclã". A CASA MATA também participou do projeto Cypher Cidade de Deus - 122.720 visualizações no Youtube - que apresenta uma letra que mostra a realidade de comunidade. O clipe teve como cenário uma escola pública abandonada na Cidade de Deus.

"Na época estava tendo muito problema, a gente queria aproveitar isso para despertar. Foi um pedido de socorro para galera do outro lado ver que a guerra aqui é outra, é com o bandido e a gente que leva o prejuízo. Uns amigos nossos que já foram envolvidos, morreram e se de repente tivessem tido outras opções aqui dentro da comunidade, teria sido diferente. Mas quem tem cabeça média e não tem dinheiro já vai para o crime, nem precisa ter cabeça muito fraca. Infelizmente, aqui não tem outra opção. Tinha que ter mais oportunidades de trabalho tranquilo para a galera aceitar e trabalhar de boa", denuncia o morador.


 
 
 

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