Cultura em xeque: comunidade vive o reflexo dos problemas nacionais
- Pedro Edson Constant e Louis Barbaras
- 22 de nov. de 2017
- 3 min de leitura

Artistas falam em emburrecimento social e embranquecimento do negro na favela
Jornalista e escritora, Valéria Barbosa, ao lado de Mateus Paz, publicitário e cineasta, ambos atuando na Cidade de Deus, ela com o Jornal CDD Vive e ele com o grupo CDD Em Cena, relatam o problema enfrentado pelos artistas e a população em geral dentro da comunidade, especialmente nos últimos anos. E a análise que fazem, é que os problemas sentidos são o resultado e o sintoma de um problema muito maior, de uma conjuntura política, econômica e social que vive o Brasil.
São grupos trabalhando sem patrocínio, correndo atrás de apoio e ou trabalhando com recursos próprios, disputando os poucos editais concorridos que restam, e sem perspectiva de continuidade do trabalho desenvolvido, com projetos que duram em média seis meses e não mais. Mas a comunidade resiste fazendo cinema, teatro, música e poesia, a exemplo da Escola do Bem que ensina música clássica para jovens e crianças.
A Cidade de Deus tem mais de 52.000 moradores e quase não tem aparelhos culturais estruturados para atender as produções locais. Um espaço que existe, mas é pouco operacionalizado fica dentro da associação de moradores que vive com os poucos recursos que consegue, enquanto alguns poucos espaços são cedidos por associações beneficentes para uso dos moradores.
Duas escolas de samba resistem, a Coroado e a União de Jacarepaguá, que conseguem recursos com festas, com a realização dos bailes funk e com espaços cedidos para academias. Alguns moradores acham até que as escolas deveriam se unir, outros preferem preservar a identidade de cada uma.
Os bailes funk se perpetuam e são característica da comunidade que busca manter sua identidade, sua cultura própria, seu fazer cultural.
“Existe um embranquecimento da cultura afro. O preto, na igreja evangélica, tem que ter o cabelo esticado e não usar o estilo black, porque isso remete à negritude ao candomblé”
Mateus Paz
“Negros fazendo doutorado, mestrado nas universidades, as cotas.. Tudo isso não interessa mais ao governo. Não tem argumento quando votam pelo trabalho escravo”
Valéria Barbosa
“Penso que baile funk é sim uma ação cultural. Trabalhos de graduação e de mestrado já demonstraram isso. Um projeto de lei para o funk ser considerado como patrimônio cultural foi aprovado pela Alerj”, comenta Valéria.
“A Cidade de Deus uma força cultural grande, que resiste, desde a dança do passinho criada aqui, o primeiro evento de hip hop fora de São Paulo, os vários artistas que se consagraram a partir da comunidade, e mesmo o proibidão do funk. Afinal, a censura acabou, e o proibidão é um termômetro da realidade da favela, ele dialoga com as pessoas. O compositor escreve aquilo que se vive, que se fala. É uma cultura própria, criada, produzida reflexo de si mesmo e que está na expressão artística”, aponta Mateus.
“A linguagem é importante e deve ser observada. O preconceito está em quem cria ou em quem ouve? Não dá para dizer que é mera exposição da mulher, porque abuso a mulher sofre todo dia até em seu local de trabalho. Quem marginaliza o funk não está lá. Aproveitadores estão por toda parte, até mesmo no Planalto”, completa Valéria.
As operações policiais na comunidade afastam o público de muitos eventos e oficinas. Não só o movimento cultural sai prejudicado, mas toda a educação, no dia a dia, com escolas fechadas e sob tensão permanente.
“Uma operação na hora do baile funk ou no final dele, é assustador”, ressalta Mateus.
Menos terreiros
Valéria aponta que eram muitos terreiros na comunidade e muitos fecharam. Outros preferem fazer seus rituais durante o dia e não mais à noite ou nas madrugadas. Para Mateus, a fé não deve estar dissociada da própria ancestralidade, da própria cultura, um movimento que tem acontecido na comunidade.
“Como já disse antes, a linguagem precisa ser observada, ela é muito importante. As igrejas evangélicas estão fazendo uma analogia, num trabalho emocional e psicológico, para mudar todo o conceito das casas de axé, situando-as como algo negativo e, em contraponto, vendendo a salvação para as pessoas”, relata Valéria.
Para ela, esse movimento chega na comunidade a partir de um outro movimento maior.
“Existe culto evangélico dentro da prefeitura, mas não existe missa nem roda de santo. A passeata contra a intolerância religiosa não foi financiada pela prefeitura, mas a marcha para Jesus sim, e tudo isso com apoio da mídia, que tem colaborado pela invisibilidade do preto da favela”
Valéria lembra que o prefeito sequer valorizou a entrega simbólica da chave da cidade durante a abertura do carnaval, e que esse desrespeito tem um significado de enfrentamento cultural, de desvalorização do outro e da sua diferença que lhe é comum.
“Governo que tira direitos, que fecha postos de saúde; operações policias que fecham escolas, policiais que deixam de morar em suas comunidades por medo; preto matando preto, isso tudo é resultado de um sentido moral que se perdeu e que reflete o pensamento de quem está acima do povo”, desabafa Valéria.
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