Jornal CDD Vive cumpre a missão de dar voz aos moradores
- Pedro Edson Constant
- 21 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Publicação quer mostrar o lado positivo da comunidade, em contraponto à grande mídia

Publicado desde 2010 sob edição final da escritora Valéria Barbosa, o "CDD Vive" é fruto de um curso de extensão de comunicação da UFRJ realizado para 40 pessoas. Desse grupo, 16 se reuniram para criar o jornal, sua estrutura, seu layout, sua essência. A ideia era mostrar o lado positivo da comunidade, o que geralmente a grande mídia pouco explora, segundo Valéria.
A publicação lembra muito o aspecto de uma revista e não trabalha com o factual. São 16 páginas coloridas, repletas de fotos, escritas por moradores da comunidade, de qualquer escolaridade, desde universitários até quem não tem nem o ensino fundamental. O desafio é dar oportunidade da fala, escutar a comunidade, norteado sempre por princípios como ética e segurança.
Nas páginas encontramos charges, poemas, matérias que ressaltam a memória da comunidade, perfis de pessoas que fazem da Cidade de Deus uma comunidade muito além das histórias de violência.
Hoje o "CDD Vive" é reconhecido como um produto cultural, disputa financiamentos públicos ou coletivos, como já aconteceu pelo site Catarse, além da realização de brechó, rifa, entre outros, para completar os custos, uma vez que se decidiu não ter propaganda nas páginas.
“Queremos propagandear todos e queremos manter uma imagem, então não podemos valorizar um e não outro morador local. Também tem produtos que nós não queremos em nossas páginas, por isso o jornal não tem anúncios, nem classificados, apenas matérias”, explica Valéria.
Trata-se de uma publicação trimestral de 4.000 exemplares distribuídos gratuitamente para as pessoas ou entregue durante a realização de eventos na própria comunidade. O jornal não tem sede e utiliza um espaço cedido pela Associação Beneficente Semente e Vida. Cada morador que tem sua matéria publicada é, de fato, parte integrante da publicação.
Mídia alternativa para se contrapor ao discurso da violência
Valéria destaca outros veículos comunitários como o jornal "CDD Acontece" muito presente na internet e a "Web Rádio CDD" onde tem um programa com matérias e poemas.
A Web Rádio CDD é coordenada pela Associação Beneficente Semente e Vida, e uma ONG francesa colaborou com sua implantação, treinando os moradores, e toda a parte técnica é realizada por jovens da comunidade. São programas de músicas, de esporte, com coberturas realizadas durante a Copa do Mundo, inclusive.
A criação de uma mídia alternativa local, além de dar voz aos moradores, é uma maneira de se contrapor ao discurso da violência amplamente destacado pela grande mídia. Mateus Paz, do CDD Em Cena, projeto de cinema e teatro, lembra da dificuldade que os projetos locais têm para ter acesso à grande mídia, e reflete que para falar de violência é fácil, citando como exemplo a imagem do próprio filme Cidade de Deus, muito vinculada à violência. As exceções para acesso à grande mídia seriam a CUFA, Central Única das Favelas, e personalidades como MV Bill, que devido a parcerias com empresários, tem mais facilidade.
Esses artistas e comunicadores querem perpetuar uma nova imagem da Cidade de Deus. Falam que o trabalho é feito por amor à comunicação e à arte. Lembram que, mesmo quando têm sucesso em algum edital, são muitas as dificuldades para se produzir. Para eles, a Cidade de Deus sofre com a violência e muito também com o próprio estigma da violência, capitaneado pelos grandes veículos de comunicação. Então, o que falta na grande mídia? A resposta é imediata: falta mostrar a cultura local.
“O talento fica muita relacionado com a violência. O MV Bill teve grande repercussão com o livro sobre as mulheres do tráfico, a Tati Quebra Barraco com seus proibidões que citam a rotina da violência, mas, por exemplo, ninguém explora, ninguém sabe quem é a Dona Tuca, ninguém conhece outros artistas locais, com outros discursos”, relata Valéria Barbosa. “Aqui a gente cria, produz, financia, divulga e vende nossos produtos. Sabemos que temos valor, mas sim, falta apoio”, completa.
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